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Ana Cañas: ‘A música é uma roda de fogo. Ou você se queima, ou você renasce’

Compositora fala sobre renascimento, Billie Holiday, Belchior e maturidade artística

“A música é uma roda de fogo. Ou você se queima, ou você renasce. Mas você não sai igual”, diz Ana Cañas, cantora e compositora, ao ilustrar não apenas a relevância da música em sua trajetória, mas também como essa arte está profundamente entrelaçada ao seu dia a dia, seja como ofício, ou fonte de inspiração, dentro e fora dos palcos.

No episódio 64 do podcast Sabe Som?, Ana narra o início de sua trajetória, marcada por desafios e transformações. Ela conta que, aos 19 anos, recém-saída de casa, distribuía panfletos nos faróis para conseguir pagar o aluguel de um quarto sem janela, em um pensionato no centro de São Paulo (SP). Foi nesse contexto de vulnerabilidade que encontrou nas canções de Billie Holiday uma força que a impulsionou a seguir na música. 

“Eu sentei na cama e a minha vida mudou naquele minuto. Eu falei: ‘Cara, eu vou virar cantora’. Porque o que essa mulher tá me fazendo sentir com essa música, com essa voz, do jeito que ela tá cantando… Eu quero essa profissão pra mim.”

Essa descoberta da voz da cantora estadunidense não apenas “salvou sua vida”, mas também virou impulso. Ela se lançou na noite paulistana, cantou com músicos veteranos e aprendeu na prática o que hoje chama de “roda de fogo”, uma metáfora para o palco, onde tudo se transforma. “Quando a roda de fogo se abre, é a hora que as transmutações acontecem”, completa.

Belchior: “Uma virada de chave metafísica”

O encontro com a obra de Belchior aconteceu anos depois, mas provocou uma nova guinada. Durante a pandemia, em 2020, após realizar uma série de lives interpretando músicas do compositor cearense, Ana criou o espetáculo ‘Ana Cañas canta Belchior’, que estreou em 2021, percorrendo o Brasil.

“Eu não imaginei que eu fosse ficar quatro anos vivendo Belchior. Não foi só cantar, a coisa tomou uma proporção. A gente fez 180 shows”, conta a cantora.

Momento que ela define como uma “virada de chave metafísica, filosófica, existencial, artística e musical, mas também uma virada de chave business como mulher na música”.

Ao longo da turnê, que levou o repertório de Belchior a cidades pequenas, Ana recebeu relatos de pessoas profundamente impactadas pelas apresentações. Houve quem retomou a escrita e também quem desistiu de tirar a própria vida após assistir ao show. 

“Uma moça chegou pra mim e falou assim: ‘Olha, eu queria te contar que eu fui no seu show do Belchior e depois que eu saí daquele show, eu resolvi escrever. Eu larguei meu trabalho, virei escritora, eu já tô publicando meu primeiro livro’. Cara, eu ouvi muitas histórias assim.”

Segundo Ana, a experiência não só tocava quem assistia, mas também a transformava. “Eu fui entendendo um reentendimento do papel da música, da arte, do cantor, do artista e do compositor. Porque eu contava a minha história no show, e entendi que não era só a minha história. Era a história de todo mundo que estava na plateia.”

Entre shows grandiosos e apresentações menores, a cantora relata como o público retribui o carinho em suas apresentações, e reforça como “a vida que eu quero pra mim é a vida da praça pública, do teatro, do evento chique do rico. Eu vou lá, faço questão de ir lá levar a poesia pra ele. […] A poesia tá em todos os lugares. Eu escolho viver assim.”

‘Eu sou uma mulher, e eu sou a cabeça!’

Aos 44 anos, Ana está lançando o disco Vida Real, um trabalho que, segundo ela, celebra a maturidade e a aceitação, reconhecendo a música como uma missão que vai além do palco. Um testemunho do poder transformador da arte e da importância de se manter fiel à própria verdade. “Eu tô me sentindo na melhor fase da minha vida como mulher. Cabeça, mente, espírito e coração”, afirma.

Ainda assim, ela não minimiza os obstáculos que enfrentou por ser mulher no mercado musical. Com firmeza, fala da desigualdade estrutural, da insegurança nos espaços públicos e da frequente violência de gênero. “Mesmo fazendo música feminista, a gente ainda tem que se justificar, se desculpar”, lamenta.

Ainda que brinque dizendo estar “uma cópia da Rita Lee”, Ana reflete sobre o que parece ser seu norte: “Eu não tenho carro, não tenho apartamento. Mas tenho momentos mágicos no palco, amigos de verdade, abraços no camarim, planos novos. Essa é a riqueza que eu quero.”

O podcast Sabe Som? vai ao ar toda sexta-feira, às 10h, nas principais plataformas de áudio, como Spotify e YouTube Music.

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