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A música atravessa pessoas sem precisar de letra, afirma percussionista do Bixiga 70, banda instrumental que completa 15 anos

Integrantes do Bixiga 70 falam sobre coletividade, mercado musical e o desafio de manter uma banda com dez pessoas

“O instrumental é legal porque não tem uma informação, assim, não depende da pessoa entender a letra.[…] As pessoas são atravessadas mesmo”. A reflexão da percussionista Valentina Facury, integrante do Bixiga 70, no episódio 65 do Sabe Som?, ajuda a traduzir o que sustenta uma das bandas instrumentais mais longevas da cena musical brasileira. 

No palco, o Bixiga 70 segue sendo uma força coletiva, sem vocal, sem hierarquias. “Sempre fomos firmes no nosso conceito de ser instrumental, quase uma resistência”, afirma o saxofonista Cuca Ferreira. Em tempos de produções regadas a “Protools” para se adequar ao mercado musical cada vez mais volátil, o grupo de dez integrantes completa 15 anos mantendo vivo o som afrocentrado e autoral.

E se depender deles, a história segue: turnê no Japão confirmada para agosto, disco novo no horizonte e uma certeza compartilhada: “Vida longa às bandas com 10, com 9, com 8 [integrantes]. Isso é força. Isso é resistência”, completa Ferreira.

Precursores

Criado na efervescência da cena paulistana dos anos 2010, o grupo surgiu como parte de uma movimentação musical que apostava na criação coletiva e na reinvenção do fazer artístico. “Existia uma coisa da música que se fazia em São Paulo naquela época. A gente se identificava com uma galera que estava circulando”, lembra Ferreira. “Era o fim da indústria como a gente conhecia. E a gente entendeu: a saída era colaborar.”

“A gente fazia mini temporadas. Tinha calote, equipamento ruim, mas tinha lugar para tocar”, recorda Cuca Ferreira sobre a efervescência da cena paulistana.

A própria estrutura da banda evidencia esse caminho. Com dez integrantes e oito discos lançados, o Bixiga 70 reúne músicos com formações e gerações distintas. Desde o nome, referência ao número do estúdio onde o grupo ensaiava no bairro do Bixiga, na região central da capital paulista, até o mais recente álbum, Vapor, lançado em 2023, o grupo constrói sua sonoridade a muitas mãos. “A gente entendeu que não precisava de gente que tocasse o que a gente já tocava. Precisava de quem nos ajudasse a criar o que ainda vamos fazer”, destaca Marcelo Dworecki.

A força do coletivo

A chegada de Valentina marcou uma das transições mais importantes da banda, tanto musical quanto geracional. Filha de trombonista, ela conta que cresceu nos camarins, entre ensaios e bailes com músicos da noite paulistana. “Hoje em dia é difícil fazer uma parada dessa. Eu tô em três bandas instrumentais de dez pessoas. E ainda meio resistente, sem saber”, brinca.

O processo de criação também mudou. “No começo, cada um trazia uma ideia e os arranjos iam se formando coletivamente. A partir do terceiro disco, tudo ou a ser composto junto, do zero”, conta Dworecki. “Mas é muito mais difícil istrar o que não vai entrar na música. E tem disco que a gente aproveitou menos da metade do que gravou.”

Na prática, o grupo busca se adaptar à nova lógica do tempo, mais escasso, mais individualizado, mais caro. “Estamos repensando o método de trabalho. Antes, era mais artesanal, a gente se jogava sem pensar no cachê. Hoje é outro corre”, reconhece Cuca. A logística dos ensaios, os shows com integrantes substitutos e a troca de referências continuam desafiando a rotina de uma banda de dez músicos.

Com a agenda cheia, Valentina reconhece os desafios da rotina. Para ela, o excesso de compromissos acaba reduzindo o tempo dedicado ao estudo e à experimentação musical.“Tô trabalhando tanto que eu tô com saudade de tocar”, brinca. 

No entanto, ela segue apostando na força do encontro. “Eu tô aprendendo equilibrar isso para poder voltar a estudar, por exemplo, fazendo escolhas assim para desacelerar um pouco. […] Esse vínculo é o que faz sentido, que é um processo mais verdadeiro de compor juntos assim”, afirma

O podcast Sabe Som? vai ao ar toda sexta-feira, às 10h da manhã, nas principais plataformas, como Spotify e YouTube Music.

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