A condenação da ex-presidenta argentina Cristina Kirchner segue um padrão já adotado contra outras lideranças progressistas da América Latina: o uso do Judiciário como instrumento de deslegitimação política. A análise é do professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Gilberto Maringoni, em entrevista ao podcast O Estrangeiro, do Brasil de Fato. Além da sentença de seis anos de prisão, a líder da oposição está proibida perpetuamente de ocupar cargos públicos.
Segundo Maringoni, há semelhanças do caso Kirchner com os do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dos ex-presidentes equatoriano Rafael Correa e boliviano Evo Morales. “Antes da condenação, submete-se a liderança a um espancamento midiático, judiciário constante. […] Lula é acusado de ladrão, alcoólatra, irresponsável desde 2005. Destroem, assassinam reputações, e a Justiça só tem o papel de promulgar uma sentença que já está dada. É a mesma coisa com Rafael Correa, o que está sendo feito com Cristina Kirchner, e foi feito com Evo Morales ”, afirma.
Lula foi preso em 2018 após um processo contestado pela falta de provas concretas e anulado posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No Equador, em 2020, Correa foi condenado à revelia por corrupção, em um caso que ele classifica como “lawfare” para impedir sua volta ao poder. Já na Bolívia, Morales enfrentou um golpe de Estado, ao ser forçado a renunciar em 2019, sob pressão de setores militares e civis.
Reação brasileira e internacional
O professor defende que Lula se posicione publicamente em solidariedade à ex-presidenta da Argentina, assim como outros líderes latino-americanos já fizeram. “O socorro principal é político, uma declaração política do presidente. Espero que ele faça porque ele foi vítima de um processo que guarda muitas semelhanças [com o de Kirchner]”, reforça.
Do ponto de vista internacional, o jornalista Gabriel Vera Lopes, correspondente do Brasil de Fato, que também participou do podcast, destaca que a condenação de Kirchner gerou reações de diversos setores do progressismo. O primeiro a se pronunciar foi Rafael Correa. Evo Morales, os governos da Bolívia e Venezuela, e parlamentares da esquerda europeia também se manifestaram. “Tem um setor do progressismo, da esquerda, do campo democrático ao nível internacional que se pronuncia. E de extrema direita ou direita que não fala nada”, compara.
Segundo Lopes, a equipe da ex-presidente tem dialogado com assessores jurídicos de Lula para estudar possibilidades de recurso em cortes internacionais. “O problema da Argentina para a direita não é o poder econômico, não é se Cristina está na cadeia ou não; é a capacidade que tem o povo de se mobilizar e construir uma contenção contra o governo [do presidente argentino Javier] Milei e contra o FMI [Fundo Monetário Internacional]”, analisa.
O podcast O Estrangeiro vai ao ar toda quarta-feira às 11 horas no Spotify e YouTube.