Por Elvis Rezende Messias
As lutas de professoras e de professores por condições dignas de trabalho são uma realidade antiga na história da educação brasileira. Por aqui, a classe docente precisou se articular desde cedo para conquistar e manter direitos básicos conforme mostram as pesquisas da área.
Prova disso pode ser encontrada em 1871, quando veio a público um conjunto de quatro cartas-manifesto de professores do Império Brasileiro, desnudando a situação na qual viviam alguns docentes no Município da Corte.
Por meio do Manifesto, notam-se marcas que ainda marcam a atividade docente nos dias atuais: a depreciação à sua carreira e ao seu lugar social, baixo salário e a luta por maior unidade de classe. Chama a atenção também a alcunha de “ignorantes”, frequentemente atribuída aos docentes do Brasil, associada à acusação de que tinham pouco “zelo” no exercício da profissão.
O documento expressa indignação contra essa responsabilização de professoras pelos insucessos da educação pública; acentua a responsabilidade do Estado e da ignorância coletiva; enumera fatos que comprovariam esse descaso com a classe docente.
Compromissos legais não cumpridos; salários baixos; bonificações não agregadas ao vencimento básico (os chamados “penduricalhos”); acúmulo de cargos para tentar uma melhoria de renda; manobras do governo para prejudicar a aposentadoria de professores: são algumas das denúncias levantadas no Manifesto, importante fonte histórica sobre a tentativa de organização coletiva e de associativismo docente para reivindicação de melhorias na condição de trabalho de professoras e de professores do Brasil.
Símbolo das lutas e resistência
Ainda que, do lugar de um profundo e justificado descontentamento existencial, seja reverberado certo “mito da educação”, como se a realidade educacional fosse a panaceia redentora do país, sem fazer a devida distinção do tipo de educação do qual se está falando, o Manifesto é um documento-símbolo das históricas lutas e das resistências de docentes do Brasil, que seguem sendo profundamente explorados e desvalorizados no exercício de sua profissão.
No Manifesto vemos uma denúncia marcante: docentes não participam dos supostos “avanços” da nação. Vemos ainda um persistente problema: o do (in)decente salário docente. Soma-se a isso o excesso de trabalho, já que muitos(as) precisam acumular empregos em diferentes instituições de ensino como tentativa de melhoria dos seus ganhos financeiros. A consequência dessa equação é drástica: fadiga excessiva e falta de oportunidade (tempo e força) para investir na própria formação.
Se não bastasse tudo isso, os signatários do Manifesto veem ainda uma preocupante indiferença e ignorância da população brasileira em relação à condição das professoras e dos professores do Império.
Também é alvo de crítica aguda a política financeira dirigida à carreira docente. A tendência era a de acrescentar algum acréscimo aos salários por meio de gratificações extras e não propriamente por meio de aumento efetivo no vencimento básico a receber. Essa prática é ainda muito recorrente hoje e é uma grande fonte de instabilidade financeira para profissionais da educação.
Destaca-se, por fim, a marca de uma espécie de “heroísmo ou vocacionismo docente”, que romantiza e perpetua o sofrimento de quem dedica sua vida à educação no Brasil. Situações de precarização do trabalho docente ainda seguem marcando nosso presente, exigindo que professoras e professores tenham que desenvolver sua atividade como se fossem algum tipo de “herói”.
Desnudar tais realidades; denunciar o ataque e o descaso – por vezes, sistemáticos – à educação pela conjuntura política; garimpar em nossa história educacional as razões dessas situações; instigar ao debate público sobre a educação, a formação de professoras e – talvez uma nova linha de pesquisa – sobre a atuação docente e suas múltiplas condições, com efetiva participação da própria classe docente nas problematizações e nas tomadas de decisões: são temáticas urgentes para a pesquisa em educação nos dias de hoje, em vista da constituição de uma realidade outra à formação humana no Brasil.
Em síntese, com o Manifesto de 1871, estamos diante de um texto aguerrido, que nos revela marcas de colonialidade que ainda nos marcam, mas também as constantes lutas decolonais que seguimos lutando.
Inspiremo-nos e continuemos a luta!
Elvis Rezende Messias é filósofo, teólogo e doutor em Educação. Docente do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), Campus Patos de Minas. Contato: [email protected]
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