Anahy de las Misiones, a personagem-título do longa gaúcho da Retomada (1997), dirigido por Sérgio Silva, e Ubaldo Vaqueiro, protagonista da série Cangaço Novo (Amazon Prime), teriam muitos pontos em comum em suas trajetórias.
Seus intérpretes, a atriz Araci Esteves e o multiartista Allan Souza Lima, respectivamente, destacaram a questão da dor na construção dos sentimentos desses emblemáticos personagens, em conversa com a imprensa no Auditório Central da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc/RS).

As homenagens à gaúcha, no alto de seus 86 anos, e ao multiartista recifense, que completa quatro décadas em novembro deste ano e foi agraciado com o Troféu Tuio Becker, ocorreram na noite desta quinta-feira (12), no 8º Festival Santa Cruz de Cinema.
“O ofício do ator nunca se encerra, é um eterno aprendizado”, disse a veterana (destacada anteriormente nos Festivais da Fronteira, de Bagé, e de Gramado), dedicando o prêmio a todos os colegas de interpretação. Para ela, ser atriz não é ser inspiração, é uma necessidade sua.
“É muito menos glamour do que suar, dedicação, persistência, não se poupar, se entregar aos personagens. Se não for assim, melhor que não faça.” Araci ainda foi o rosto feminino de outro título emblemático do cinema gaúcho: Um é pouco, dois é bom, de Odilon Lopez.

A entrega e o mergulho psicológico também são marcas de Allan, que recebeu a primeira distinção em um evento cinematográfico em sua carreira. Ele falou sobre os seus processos de criação artística: “Não é todo mundo que é artista. Escolhi ser ator para vomitar as minhas dores. A cultura tem uma força de transformação, está sempre à frente de sua temporalidade”.
No palco do auditório da universidade, Allan aproximou as identidades regionais das culturas do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, pois conhece bem o estado, tendo viajando com a equipe de Tabajara Ruas pelo interior gaúcho para as filmagens de A cabeça de Gumercindo Saraiva.
O intérprete recifense é uma figura conhecida dos realizadores do audiovisual local, pois é sócio da produtora Ikebana Filmes, com Fernanda Etzberger, que é de Porto Alegre. No início deste mês, Allan coincidentemente terminou na Capital as diárias de filmagem do longa Talismã, produção da gaúcha Vulcana Cinema.
Após assistir alguns trechos dos trabalhos dos atores na tela grande e ouvir seus discursos de agradecimento e reflexão sobre a profissão e a área de atuação, o público assistiu aos últimos sete filmes em competição, seguido de debates com os realizadores.

O baiano Klaus Hastenreiter, um dos diretores do concorrente Borderô, que discute a questão de gênero, elogiou o festival: “Tô amando ver essa plateia cheia, foi muito bonito vir e ar um filme sobre formação de público, sobre a relação do artista com o público e ver uma plateia cheia realmente é incrível. Eu acho que o que vocês fazem com esse festival realmente é inspirador”.
Oriunda da Paraíba e assistente de direção da produção pernambucana Cavalo Marinho (de Leo Tabosa, com Divina Valéria, sobre o envelhecimento LGBT), Danny Barbosa também agradeceu a oportunidade. “O Leo é um pernambucano incrível e que não tá aqui hoje por questões pessoais, porque eu também gostaria de ter esse privilégio. E faço minhas as palavras dos colegas, de agradecer o convite, de exibir o filme e de estar num festival tão incrível. Parabéns, a cidade de vocês é maravilhosa”, afirmou a atriz de títulos nordestinos importantes como Bacurau (2019) e Mais pesado é o céu (2023).

Título de Novo Hamburgo e produzido pela Okna (empresa de Porto Alegre), Pastrana, forte concorrente na mostra, foi representado na sessão comentada pela diretora Melissa Brogni e pela roteirista Julia Cazarré. Selecionado para o Festival de Tribeca, na sua estreia mundial, o título ainda venceu a competição de curtas do Festival de Gramado e de Brasília no ano ado.
O evento cinematográfico se encerra na noite desta sexta-feira (13), com a cerimônia de premiação no Auditório Central da Unisc, a partir das 19h, com entrada franca.
Formação de público e oportunidades de negócios andam juntas

“Aproveitem e se divirtam”, disse Diego Tafarel, um dos organizadores do Festival Santa Cruz de Cinema, antes da programação da manhã de sexta-feira (13) no evento, na parte reservada com vistas ao mercado audiovisual. A orientação do cineasta foi em relação ao espaço de apresentação das criações, mas valeria para todo o período de festival, já que é assim que a equipe recebe seus convidados.
Tafarel também celebrou a média de 600 espectadores por sessão nas três noites de mostra competitiva de curtas, trazendo cerca de 200 alunos das escolas da região para o auditório da Unisc: “A formação de público é uma coisa que acreditamos muito”. Ele ainda comemorou a realização da etapa de mercado dentro do festival: “Estou muito feliz de ter acontecido este momento”, cuja realização foi elogiada pela produtora Carla Esmeralda.
Roteirista do curta Pastrana, Julia Cazarré também veio ao festival para defender o Pitching do roteiro Melhor Amiga das Noivas, uma comédia romântica LGBT no Interior gaúcho. Questionada pelos avaliadores Daniela Israel, Paola Wink e Pedro Guindani sobre o cenário da produção, ela foi categórica na resposta: “Vai se ar na cidade que oferecer as melhores condições de filmagem” (outro elemento que conversa com a programação do festival, que abordou a importância das Film Comissions nos municípios para fomentar o Turismo Audiovisual).
Outro que apresentou seu projeto com vistas à rodada de negócios da tarde foi o baiano Klaus Hastenreiter (um dos diretores de Borderô), que trouxe a trama de um terror tropical ambientado em Ilhéus, no sul do seu estado. Gringo discute questões de identidade e noção de território, por um colonialismo atrás da imagem, com roteiro inspirado por Hitchcock, Bacurau e Glauber Rocha.
